Mundo Afora: o time de albaneses que é odiado por rivais nos Bálcãs
FK Shkendija fica na Macedônia, mas foi fundado para representar a Albânia. É visto como o time a ser batido, e seus torcedores já se envolveram em confusão na Sérvia
Mais de
20 anos depois da guerra que assolou a antiga Iugoslávia, alguns fantasmas
começam a reaparecer na região. Se antes sérvios lutaram contra croatas e
bósnios, a tensão agora está em outro lugar. Os incidentes na partida entre
Sérvia e Albânia, na última semana, pelas eliminatórias da Eurocopa de 2016,
revelaram que a relação entre futebol e nacionalismo segue íntima nos Bálcãs.
Nesta história, um clube de futebol que representa os albaneses na Macedônia,
conta com uma das torcidas mais violentas da Europa e é visto como rival por
todas as outras equipes do país merece atenção especial.
O FK
Shkendija foi fundado em 1979 na cidade de Tetovo, na Macedônia, por albaneses,
com o intuito de representar a nação na antiga Iugoslávia. Embora a Albânia não
tenha feito parte do país que reunia sérvios, croatas, bósnios, macedônios e
eslovenos, boa parte de sua população havia migrado para os vizinhos. Com medo
de que, através do futebol, o clube despertasse sentimentos nacionalistas, o
governo iugoslavo decretou seu fechamento.
Jogadores do Shkendija saúdam a Ballistet, torcida organizada: time de origem albanesa (Foto: Reprodução / Facebook)
Somente
com
o fim da Iugoslávia e a independência da Macedônia, em 1991, o
Shkendija
renasceu. Com forte apoio – em Tetovo, a maioria da população é albanesa
-, o
clube logo chegou à primeira divisão e passou a ser odiado pelos outros
times,
justamente por sua característica nacionalista - o vermelho e preto do
uniforme são as mesmas cores da bandeira da Albânia, sempre presente nos
estádios. O título nacional de 2011 foi o
primeiro da equipe, que passou a se aventurar na Europa.
Por
ironia do destino, o primeiro encontro continental foi contra rivais sérvios. O
duelo com o Partizan pela fase eliminatória da Liga dos Campeões foi cercado de
tensão, com a torcida organizada do Shkendija, Ballistet, se envolvendo em
brigas e trocando provocações de cunho étnico. Na ocasião, por exemplo, os fãs
exibiram uma enorme bandeira da Albânia no jogo de ida, em Skopje, capital da
Macedônia.
TORCIDA COM INSPIRAÇÃO FASCISTA
A Ballistet, aliás, é um capítulo à parte na história. Nomeada em referência à Balli Kombëtar, uma organização que se aliou aos nazistas na Segunda Guerra Mundial para comandar a Albânia, a torcida é extremamente nacionalista e fonte da maioria das brigas e confusões nos estádios. Por outro lado, não para de cantar um minuto para apoiar o time. O atacante brasileiro Stênio Júnior defende o Shkendija desde o começo do ano e só tem elogios aos fãs.
Torcedores do Shkendij se disfarçam nas arquibancadas (Foto: Reprodução / Facebook)
-
Eles
defendem muito o lado albanês deles, têm um modo mais apaixonado pelo
futebol. Eles se entregam de coração ao clube e ao sangue albanês. São
os que mais
apoiam a equipe – relatou o jogador ao GloboEsporte.com.
Por outro
lado, a opinião dos macedônios em relação à torcida não é das mais favoráveis.
Editor do "Ekipa", principal jornal esportivo da Macedônia, Nikola Gjurovski
argumenta que a Ballistet só dá mais visibilidade a algo presente em todos os
albaneses: o desejo da criação da Grande Albânia, um país com territórios de
Sérvia, Kosovo e Macedônia – o mapa desta nação estava no drone derrubado por
Mitrovic no jogo entre sérvios e albaneses.
- O
problema é que a Ballistet torce apenas para a seleção da Albânia e sempre cria
problemas para os times de etnia macedônia que vão jogar em Tetovo. A ideia da
Grande Albânia ainda é a ideia dos torcedores e, acredito, de todo albanês.
Albaneses são nacionalistas, e eu não acho que isso vai mudar agora ou no
futuro. Todo clube albanês e seus torcedores fazem manifestações políticas e
cartazes sobre a Grande Albânia – disse Gjurovski.
O TIME A SER BATIDO
Na Macedônia, os albaneses representam 23% da população total. O país é governado através de uma coalizão que equilibra as duas etnias. Mas, no futebol, somente o Shkendija representa os albaneses. Isso significa que os outros nove times da primeira divisão do futebol local saboreiam um gosto especial quando vencem o rival.
- O
Shkendija é visto como a equipe a ser derrotada. Todos os times da Macedônia
querem nos vencer, por causa desta origem albanesa. Tem uma equipe da
mesma cidade, FK Teteks, que é macedônia. Contra eles, o jogo pega fogo mesmo. A
torcida deixa passar uma derrota para qualquer outro time, mas contra eles é
ganhar ou ganhar – contou Stênio.
Em 2013, a final da Copa Macedônia, entre
Shkendija e Teteks, precisou ser interrompida por causa de uma confusão nas
arquibancadas entre torcedores dos dois times.
Torcida Shkendija, da Macedônia (Foto: Reprodução / Facebook)
Em campo,
o Shkendija ainda precisa transformar o apoio de sua torcida em resultados. O
clube é considerado um dos grandes da Macedônia e faz com o Vardar o principal
clássico do país – no último encontro, domingo passado, a Ballistet exibiu um
cartaz chamando os sérvios de "câncer da Europa" e pedindo ação da Uefa após a
confusão em Belgrado. Na atual temporada, está em terceiro lugar, com 18
pontos, nove a menos que o maior rival e líder.
Stênio Júnior em ação pelo Shkendija: atacante está adaptado (Foto: Reprodução / Facebook)
Na última
edição da liga macedônia, o Shkendija protagonizou uma arrancada, com
participação de Stênio. Depois de se destacar no Pelister, ele foi um dos nove
jogadores contratados em janeiro para tirar o time da briga contra o
rebaixamento. A equipe encaixou e foi além: com sete vitórias seguidas,
conseguiu o quarto lugar e uma vaga na Liga Europa. A festa surpreendeu o
brasileiro.
- Na
última partida, precisávamos vencer e esperar o resultado de outra partida, da
equipe que estava brigando com a gente. Nós vencemos, nossa partida acabou, e
ficamos esperando sete minutos dentro de campo, até finalizar o outro jogo, que
terminou em empate, nos classificando. Todos foram ovacionados e ficaram cheios
de alegria. Foi aquela festa de torcedores e jogadores dentro de campo.
Entretanto,
na atual temporada, o sonho europeu durou pouco. Logo na primeira fase
eliminatória, o Shkendija caiu para o Zimbra Chisinu, da Moldávia.
TENSÃO ENTRE ALBANESES E MACEDÔNIOS
Bem
adaptado à Macedônia, Stênio garante que no dia-a-dia não é possível perceber
as tensões entre as diferentes etnias. Aponta que os albaneses são mais
religiosos e sabe que a rivalidade surgiu no passado, com o desmembramento da
Iugoslávia.
- Dá para
notar as diferenças. Os albaneses são mais religiosos. Na cidade em que estou (Tetovo),
a maioria é albanesa, e tenho amigos que comentam sobre estas tensões. Mas, no
cotidiano, não dá para notar tensão alguma.
Opinião
diferente tem o jornalista Gjurovski. Segundo ele, Tetovo convive com
desentendimentos entre as etnias. O futebol, no fim, é um retrato da sociedade.
- Não há
muita influência da Sérvia na Macedônia, mas quase toda semana em Tetovo há
problemas de convivência.
Torcedores exibem cachecóis da Albânia e com o nome da Ballistet (Foto: Reprodução / Facebook)
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