Do verão para o inverno, da pista para o bobsled no gelo: corra, Lolo, corra
Quarto lugar em Londres 2012, nos 100m com barreiras, Lolo Jones superou infância difícil e acusações de ex-colegas de equipe para estrear nas Olimpíadas de Inverno
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Lolo Jones: do salto com barreiras para a equipe
de bobsled dos EUA (Foto: Site Oficial Red Bull)
de bobsled dos EUA (Foto: Site Oficial Red Bull)
Corra, Lolo, corra. O trocadilho com o famoso filme dirigido por Tom Tykwer (Corra, Lola, corra), usado como endereço do site oficial de Lolo Jones, parece simples, mas diz muito sobre a vida da atleta dentro e fora das pistas, sejam de atletismo ou de gelo. Com quatro irmãos, o pai preso e a mãe se dividindo em dois empregos, a americana se acostumou desde cedo a fugir da pobreza e ir atrás de seus objetivos. Dos primeiros passos como nos 100m com barreiras às polêmicas sobre sua convocação para defender o bobsled dos Estados Unidos, a bela atleta ganhou holofotes por revelar sua intimidade e compartilhar sua vida nas redes sociais. Em Sochi, ela corre novamente, mas em uma nova direção. Corre tanto para empurrar o trenó quanto para provar que não é só um rostinho bonito. A estreia foi nesta terça-feira, e Lolo, ao lado da parceira Jazmine Fenlator, ficou na 11ª posição ao fim das duas primeiras baterias.
A infância de Lolo esteve longe de ser tranquila. A mãe, Lori, se desdobrava para alimentar os cinco filhos, mas o dinheiro nunca era o suficiente. Sem poder honrar os compromissos, a família se mudava constantemente e teve até o porão da entidade beneficente Exército da Salvação como moradia. Foram tantas idas e vindas que a futura atleta cursou oito escolas diferentes até chegar ao Ensino Médio.
Quando soube que a casa seguinte seria em uma cidade sem pista de atletismo, Lolo fez sua primeira grande escolha na vida. Deixou as asas da mãe e, com ajuda de seu mentor, Phil Fergusson, contou com o favor de outras famílias para perseguir o sonho do atletismo. Entre um treino e outro, a jovem se esforçou para valorizar as oportunidades extras que recebeu. Aprendeu a tocar violoncelo na escola e concluiu estudos em Economia e Espanhol. Na Universidade do Estado da Louisiana, começou a coleção de títulos universitários.
Lolo Jones, de frente, cumprimenta a parceira Jazmine Fenlator durante baterias de terça-feira, em Sochi (Foto: Reuters)
Lolo não conseguiu se classificar para os Jogos de Atenas, viu a medalha escapar em Pequim após errar na última barreira, mas ganhou confiança para Londres 2012 após dois ouros em Mundiais Indoor. Meses antes, porém, seu potencial para ser medalhista olímpica foi ofuscado por uma revelação íntima. Aos 30 anos, a americana disse que era virgem e que se manteria assim até o dia de seu casamento. A confissão pública colocou todos os holofotes a seu redor, e sua frustração pelo quarto lugar olímpico nos 100m com barreiras foi mais noticiada do que o pódio das rivais. Ali começaram os ciúmes e mais uma corrida: desta vez, do Verão para o Inverno.
- Eu acho que as minhas experiências nos Jogos de Verão me deram pura motivação. Obviamente eu não estaria aqui sem tudo que aconteceu. Elana (Meyers) e eu estávamos conversando sobre Pequim e o ouro ter estado tão perto, ter sentido o gosto do ouro, e ela disse “É, mas você provavelmente não estaria aqui”. E ela está absolutamente certa. Uma das minhas citações favoritas é que “um fracasso não é um fracasso se ele te prepara para um sucesso amanhã”. Eu realmente acredito que os maiores fracassos e erros da vida podem ser a melhor motivação para você fazer algo incrível. Eu sinto que é por isso que estou aqui, não estou disposta a desistir, quero continuar lutando.
Lolo Jones ficou com o quarto lugar nas Olimpíadas de Londres, nos 100m com barreiras (Foto: AFP)
Até chegar a Sochi, o caminho de Lolo foi longo. Precisou participar das seletivas de bobsled dos Estados Unidos e disputar etapas da Copa América e da Copa do Mundo. Em quatro participações nesta competição, conquistou duas medalhas de prata. Fora da pista, a americana foi criticada por colegas por exibir o contracheque e reclamar do valor de cerca de R$ 1.600 como salário. Um dos mais revoltados com esta postura foi Steven Holcomb, piloto campeão olímpico do bobsled de quatro, que disse ainda morar no alojamento do CT por não poder pagar por um aluguel.
Lolo Jones treina para estreia em Sochi (Foto: AP)
Quando a delegação olímpica foi definida, as concorrentes de Lolo que ficaram fora do time soltaram o verbo. Inconformadas, afirmaram que a escalação da barreirista era uma jogada de marketing. Emily Azevedo foi a mais ríspida e declarou que deveria ter se preocupado mais em ganhar seguidores no Twitter do que em ganhar massa muscular. Nada, porém, abalou a musa.
- Você é ensinada a fazer coisas para a mídia sendo simpática, responder às perguntas genuinamente. Não sei como isso virou negativo, como as pessoas usam isso contra você: “Ela tem muitos seguidores no Twitter, e agora nós a odiamos”. Calma aí. Quando eu tinha mil, vocês queriam que eu falasse, mostrasse quem eu sou, e agora? Eu gosto de mídias sociais e de mostrar para os fãs que são meus fãs quem eu sou e o que estou fazendo.
Lolo Jones posta foto em uma rede social com uniforme de bobsled dos EUA (Foto: Reprodução)
Desde que chegou a Sochi, Lolo tenta dividir as atenções com as colegas de equipe - os EUA contam com três trenós na disputa feminina. Quando uma pergunta é genérica e pode ser respondida por outra pessoa, ela pergunta “E aí, Fulana, o que você acha?”, e põe a companheira para dar a própria opinião. As outras meninas da equipe também interferem em algumas questões para a musa.
Toda vez que alguém perguntava se nos Jogos de 2016 ela estaria novamente saltando barreiras, alguém lembrava que o foco agora era Sochi, que o esporte dela agora era o bobsled. Mas, quando tinha uma brecha, Lolo falava. Dizia que a cabeça estava em Sochi, mas admitia que os planos para competir nos Jogos do Rio estavam mantidos.
- Claro que sim. Eu já estive no Brasil antes e amei. A cultura é incrível e vai ter muita energia boa. Muitas pessoas estão planejando ir para lá competir. Espero conseguir também.
Para tal, será preciso correr. Em Sochi, no Rio, empurrando um trenó de bobsled, saltando as barreiras na pista. Corra, Lolo, corra.
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