Série B do Campeonato Carioca: um campo de batalha longe dos holofotes
Uma semana depois de um torcedor perder a mão, MP diz que abriu inquérito para apurar fatos, mas Ferj se cala. Gepe estuda migração de organizadas dos grandes
Há pelo menos um ano, partidas de casa cheia e clássicos com milhares de torcedores nas arquibancadas deixaram de ser a única preocupação dos responsáveis pela segurança nos estádios do Rio de Janeiro. Jogos de menor apelo – envolvendo equipes como America, Olaria, Portuguesa-RJ, Bangu, Madureira e companhia – têm tirado o sono da Polícia Militar e do Grupamento Especial de Policiamento em Estádios (Gepe). Foi num duelo como esse que, semana passada, Jeferson do Nascimento Graton teve a sua mão direita amputada após a explosão de um rojão. O caso, apesar de ser apenas mais um registro de violência entre torcidas, chamou atenção pelo desfecho trágico e reforçou o que era uma hipótese até então: a Série B do Campeonato Carioca tornou-se um campo de batalha.
Olaria entrou em campo neste sábado pedindo paz: situação na Série B preocupa (Foto: Paulo Roberto / Papo Esportivo)
São alguns os fatores que levaram a tal crescimento no índice. O principal deles: a competição está distante de todos os holofotes. Com públicos que dificilmente chegam a mil pessoas, portanto sem um efetivo policial reduzido, as partidas da Segundona acabam sendo o ambiente ideal para o confronto entre torcedores – os recentes registros provam que a onda de violência também se estende a jogos da Copa Rio e até entre clubes de menor expressão na elite do futebol do Rio de Janeiro.
Desde o ano passado, o Gepe vem estudando e monitorando um fenômeno que ajuda a explicar o aumento no número de brigas. Segundo a entidade, membros das organizadas dos quatro grandes clubes cariocas estão migrando para as torcidas de times menores com o único intuito de promover seus confrontos longe dos olhos das autoridades. Os envolvidos no tumulto da semana passada, por exemplo, seriam torcedores do Vasco, de acordo com o tenente-coronel João Fiorentini, comandante do Gepe.
– Pelo que acompanhamos nas redes sociais, vimos que o torcedor que perdeu a mão pode ser integrante de uma torcida organizada do Vasco, mas ainda não podemos dar certeza – disse o comandante na última quinta.
E a punição nesses casos? Por que pouco se ouve falar delas? A resposta, na verdade, é bem simples: as torcidas dos times pequenos não têm cadastro no Ministério Público, o que se torna um obstáculo considerável no controle de suas ações.
– No ajuste de conduta assinado pelo Ministério Público, as torcidas organizadas são sujeitas a obrigações e deveres. E tem, com isso, alguns benefícios, como a entrada de materiais nos estádios. Bateria, faixas... Isso tudo é regulado dentro do termo de conduta. Esses torcedores de torcidas menores não aderiram ao PAC, então não podemos utilizar esse modelo de punição. Por exemplo, a torcida do Olaria não tem cadastro. Então, nada pode ser feito pelo Ministério Público para impedi-los – explica Fiorentini.
O Ministério Público, por sua vez, também foi procurado para comentar o assunto. Segundo o órgão, um inquérito civil já foi apurado para investigar os detalhes da confusão que levaram à amputação da mão de um torcedor há uma semana. O MP reconheceu a possibilidade de integrantes dar organizadas dos clubes grandes estarem envolvidos na briga e garantiu que se esforçará não apenas para conseguir a suspensão dos torcedores aos estádios, mas também o agravamento daqueles que já estão suspensos.
Além disso, a promotora Glícia Pessanha também atentou para o risco do financiamento dessas torcidas por parte dos clubes.
– Inúmeras vezes, os clubes financiam suas torcidas, inclusive as que sofrem punição, através da doação de ingressos, auxílio financeiro para viagens et cetera, assim acabam fomentando ainda mais a violência – afirmou Glícia.
FERJ SE CALA
Enquanto a Série B do Campeonato Carioca caminha a passos largos em direção a uma situação alarmante, a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) prefere se calar. A reportagem do GloboEsporte.com procurou a entidade para tentar esclarecer as seguintes questões: Ela reconhece a violência nos estádios como o atual inimigo número um dos torcedores do Rio de Janeiro? O que cabe a ela fazer para mudar esse panorama? Punições mais rigorosas aos clubes envolvidos entram em questão? Por e-mail, a resposta da assessoria de imprensa foi lacônica.
– A entidade não vai se pronunciar – resumiu.
GOYTA X CANO: CLÁSSICO DA PAZ?
O ápice da violência na Série B do Carioca parece esta sendo atingido justamente na véspera de uma das mais partidas mais aguardadas da competição: Goytacaz x Americano, o maior clássico do interior do Rio de Janeiro. As equipes se enfrentam no próximo sábado, pelo segundo turno, e vão disputar, inclusive, a liderança do Grupo A, já que ambos possuem 10 pontos na tabela de classificação.
Rivais centenários, Goytacaz e Americano se uniram para promover o "Clássico da Paz" (Foto: Reprodução)
– Estamos fazendo um trabalho há cerca de 20 dias, tentando identificar (possíveis marcações de confronto pela internet). Vamos marcar no batalhão, terça-feira, uma reunião com chefes de torcidas e dirigentes de ambas as partes sobre o policiamento, que vai ser feito para tirar esses possíveis atos violentos marcados nas redes sociais. Vamos orientar os chefes de torcida. Inclusive, já vi com com o Júnior Brasília (diretor do Goytacaz) e com o Luciano Viana (presidente do Americano) sobre a promoção do "jogo da paz" – informou o subtenente Jackson, encarregado do Gepe pela segurança da partida. Os rumores de um confronto entre as torcidas, que estaria sendo organizado pelas redes sociais, alarmou as autoridades. Durante esta semana, o esquema de segurança para o jogo foi discutido, mas o Gepe já estava monitorando o movimento desses torcedores há quase um mês. Os dois clubes, então, decidiram se unir e promover o "clássico da paz".
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