Análise: o piloto ainda conta muito na Fórmula 1. E os números comprovam
Quanto mais etapas tem a temporada, maior a tendência de, com carros parecidos, os talentos de Lewis Hamilton e Sebastian Vettel se sobreporem ao de Nico Rosberg
Jogue uma moeda. Qual a chance de dar cara? 50%, correto? Jogue a mesma moeda dez vezes. O resultado pode ser, por exemplo, sete vezes cara e apenas três coroa. Mas se ampliarmos o número de tentativas, ou de jogarmos a moeda, vamos ver que a tendência é de haver um equilíbrio entre os resultados cara e coroa. Quanto maior o universo de análise, mais próximo dos 50% para cada lado será obtido.
Mas há estudos estatísticos onde um resultado, por uma série de condições favoráveis, não presente no lançamento de uma moeda, tende a ser o mais frequente. Um exemplo: a seleção brasileira masculina de vôlei. Se enfrentar a da França, por os jogadores brasileiros serem, na média, mais talentosos, a equipe mais experiente em disputar finais e até a tradição de conquistas do Brasil nesse esporte, as chances de a seleção vencer a da França são maiores do que o contrário, embora não seja possível excluir um resultado contrário ao esperado.
Nico Rosberg e Lewis Hamilton no pódio do GP dos EUA (Foto: AP)
Agora a F-1. O objeto em questão são os pilotos. Em uma, duas, três corridas, o alemão Nico Rosberg, da Mercedes, pode vencer o companheiro de equipe, Lewis Hamilton. Rosberg seguiu as etapas ideais da formação técnica de um piloto, orientado por seu pai, o campeão do mundo de 1982, Keke Rosberg. Começou na F-BMW e depois foi para a F3, GP2 até chegar na F-1, estreando em 2006 por um time médio na época, também o mais indicado, a Williams.
A formação científica somada a seus dotes, inegáveis, de piloto, sem serem excepcionais, se comparados a de outros, como do próprio Hamilton, este uma unanimidade na F-1, permitem a Rosberg estabelecer pole positions e vencer corridas, dispondo de um carro eficiente com o da Mercedes.
Na disputa entre Rosberg e Hamilton, qual a chance de um e de outro ganharem um GP? Não é como a moeda, 50% para cara e 50% para coroa. Hamilton conta com as condições favoráveis, ou seja, naturalmente é mais talentoso, ninguém questiona, sem que haja qualquer demérito para Rosberg. Assim, as chances de Hamilton vencer são maiores que as de Rosberg, embora, como no caso da seleção francesa de vôlei, sempre é possível um resultado diferente do que a estatística mais sugere.
Hora de voltar a falar das moedas. Lá, quanto maior o número de tentativas, maiores as chances de os resultados cara e coroa se equivalerem. No caso da F-1, e por conta das condições mais favoráveis de Hamilton, quanto mais GPs ambos disputarem, maior a tendência de emergir algo compatível com o maior talento do piloto inglês, ou seja, maior a frequência de eventos favoráveis a Hamilton.
O GP dos EUA neste fim de semana em Austin, no Texas, foi o 16º do campeonato. Já é uma amostra representativa. É diferente de três, quatro ou cinco corridas, pois 16 etapas significam 84% das 19 provas previstas este ano. Quais os resultados observados até agora? Hamilton venceu 10 corridas e Rosberg, 3. Repare que há uma coerência entre o esperado, estatisticamente, e o observado.
É possível ir além com números para demonstrar como o fator piloto, ou humano, ainda tem peso relevante no resultado final da longa competição. Tomemos o caso de Sebastian Vettel, da Ferrari. Vamos confrontá-lo com Rosberg. Seu equipamento, o modelo SF-15-T italiano, é capaz de produzir menos que o W06 Hybrid da Mercedes de Hamilton e Rosberg. A Mercedes somou até agora 574 pontos e a Ferrari, 374, ou 200 pontos a mais.
Sebastian Vettel no pódio do GP dos EUA (Foto: Getty Images)
Mas, a exemplo, de Hamilton, Vettel é considerado, pela grande maioria de especialistas, como mais talentoso que Rosberg. Não foi por acaso que ganhou quatro campeonatos seguidos, de 2010 a 2013.
Vettel tem como condição favorável seu maior talento e Rosberg, a maior eficiência do equipamento. Depois de 16 etapas, o que emergiu? Vettel tem três vitórias, como Rosberg, mas seu maior talento compensou sutilmente a menor eficiência do equipamento da Ferrari. Vettel obteve, além das três vitórias, nove pódios, o mesmo número de Rosberg. Mas soma 251 pontos diante de 247 do piloto da Mercedes.
Quanto maior o número de GPs, menos tendem a se manifestar no resultado final fatores como abandonos resultantes de problemas no carro, equívocos da equipe ou mesmo envolvimento em incidentes, naturais da competição. E mais os resultados revelam a realidade da eficiência de cada piloto. É por isso que também na luta entre Rosberg e Vettel o alemão da Ferrari consegue estar na frente.
Na F-1, quando há diferenças abissais de performance como entre o modelo MP4/30-Honda daMcLaren e o W06 Hybrid da Mercedes e SF-15-T da Ferrari, não há como pilotos com condições favoráveis, a exemplo de Fernando Alonso, da McLaren, compensá-las.
Mercedes é melhor que carros rivais. No duelo interno, talento de Hamilton se sobressai ao de Nico (Foto: Reuters)
Mas quando essa condição favorável do piloto tem peso semelhante à condição favorável do equipamento do concorrente, dotado de menos talento, é possível haver competição entre ambos quanto ao objetivo final no campeonato, quando o objeto de estudo é maior, conforme os conjuntos Vettel-Ferrari e Rosberg-Mercedes demonstram.
Já Fernando Alonso sofre com a McLaren-Honda em 2015 (Foto: Getty Images)
E o que acontece quando um piloto dispõe de condições favoráveis e seu equipamento também tem condições favoráveis? Ele conquista o Mundial. Exatamente como fez Lewis Hamilton neste domingo no Circuito das Américas. Se essas condições favoráveis de um e do outro, piloto e equipamento, forem muito grandes, o resultado é a conquista algumas etapas antes do encerramento do campeonato. Vide hoje. Restam, ainda, o GP do México, domingo, do Brasil, dia 15 de novembro, e de Abu Dhabi, 29.
Hamilton venceu o GP dos EUA depois de o adversário, Rosberg, ratificar dispor de dotes menores de capacidade, ou condições menos favoráveis, ao errar quando era líder, a sete voltas da bandeirada. Acabou em segundo. Resultado mais representativo do que cada um dos dois pode fazer.
O bom da disputa de domingo é não haver contestação alguma quanto ao mérito de Hamilton ser campeão. Quando há coerência entre o vencedor e o seu reconhecimento como portador das condições favoráveis a conquista é legítima e fica no ar uma saudável sensação de justiça.
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