Carros com cores berrantes e gaiolas de metal. O que é essa estranha F-1?
Durante preparação para o campeonato, equipes recorrem a disfarces e apetrechos tecnológicos para experimentar as melhores soluções para os carros da categoria
É comum nos testes da pré-temporada de F-1 as equipes instalarem nos seus carros estranhas grades metálicas, nas laterais, na frente ou na traseira. Algumas são enormes. Muita gente se pergunta que raios é aquilo, em total incompatibilidade com o refinamento de linhas que a F-1 tanto gosta de divulgar.
Na segunda série de treinos que começou ontem no Circuito da Catalunha, em Barcelona, e se estenderá até domingo, não foi diferente. Times como Lotus e RBR tinham no E23-Mercedes, de Pastor Maldonado, e no RB11-Renault, de Daniel Ricciardo, as tais gaiolas.
A Ferrari de Kimi Raikkonen não transportava nenhuma dessas estruturas bizarras – o fez no primeiro teste, em Jerez de la Frontera, no início do mês -, mas algumas partes do modelo SF15-T estavam pintadas com tinta de cor verde berrante, da mesma forma descaracterizando o veloz monoposto da escuderia italiana, onde o vermelho é parte do mito. Vale de novo a questão: qual a razão de espalhar tinta de outra cor no carro?
McLaren chama a atenção em Barcelona pelo curioso "apetrecho" acoplado no novo carro (Foto: Getty Images)
A resposta é breve: verificar o escoamento dos fluxos de ar, sua velocidade, a pressão exercida e, em alguns casos, até mesmo a temperatura do ar. Os projetistas realizam seus estudos aerodinâmicos no túnel de vento e através do Computational Fluid Dynamics-CFD, complexos programas de computador que simulam os trabalhos no túnel de vento.
“Essas experiências na pista nos permitem, por exemplo, entender se os dados que apuramos no túnel de vento e com o CFD conferem com os que recolhemos nos testes, verificamos a confiabilidade tanto do túnel de vento quanto do CFD”, diz Aldo Costa, do grupo de projetistas da Mercedes.
Outro recurso para obter informações semelhantes, mas ainda mais preciso quanto a entender o direcionamento dos fluxos de ar, é usar uma pistola e pulverizar sobre a superfície desejada do carro uma tinta que na F-1 a chamam de flow-viz, de visualização dos fluxos. “Os engenheiros usam para entender se determinada superfície está mesmo recebendo o direcionamento e densidade de ar que os estudos sugeriam. Em muitos casos eles descobrem coisas novas nesses testes”, explica Costa.
Lotus de Pastor Maldonado foi para a pista com sensores para medição de dados (Foto: Divulgação)
Esconder o jogo
Nem todos gostam de realizar experiências com o flow-viz nos autódromos quando outras equipes estão treinando: “Os fluxos de ar que desejamos verificar ficam expostos no carro, disponíveis para todos verem”, comenta Adrian Newey, consultor da RBR. “Há fotógrafos muito atentos nessa hora”. Os times têm fotógrafos que realizam trabalhos específicos, como esse, registrar o que os concorrentes fazem.
O italiano Giorgio Ascanelli, ex-diretor técnico da STR, e ainda mais no passado engenheiro de Ayrton Senna, na McLaren, e Nelson Piquet, Benetton, lembra da época em que os técnicos procuravam conhecer o comportamento dos fluxos de ar sobre os carros utilizando pequenos pedaços de fios de lã natural, espalhados sobre a superfície.
“Nosso trabalho era muito mais intuitivo. As indicações eram bem menos precisas, basicamente nos indicavam a direção dos fluxos. Hoje além de direcionamento dos fluxos dispomos de velocidade e pressão. O que você pode entender do objeto de estudo é muito mais profundo”, explica Ascanelli. “As peças novas que você pode projetar, tendo esses dados, oferecem maior garantia de que o resultado prático estará mais próximo do desejado.”
Ferrari foi para a pista catalã com algumas partes do carro pintadas de verde (Foto: Getty Images)
Gary Anderson foi o coordenador de projetos da Jordan e da Jaguar. Hoje trabalha para a Formula One Communication, empresa do grupo da F-1. Ele diz mais sobre as estruturas metálicas. “Podemos ver nelas pequenos tubos, de diâmetro reduzido, são os tubos de Pitot, destinados a registrar a velocidade do ar.”
Um dado é essencial nesses experimentos. Anderson explica: “O que é mais importante para os engenheiros é descobrir a diferença de velocidade entre o ar que escoa embaixo do assoalho e o que flui sobre ele. É essa diferença de velocidade que gera pressão aerodinâmica, o que todos desejam nos projetos”.
O ar que flui sob o carro tem de ser mais rápido que o que flui sobre a carenagem. Mais rápido significa exercer menor pressão. Mais rápido significa exercer menor pressão. E se embaixo do carro a pressão exercida pelo ar é menor que sobre ele, porque os fluxos estão mais lentos, a resultante é uma força aerodinâmica de cima para baixo.
“É isso o que os técnicos medem, em essência, a velocidade do ar em cada ponto de interesse e depois confrontar com a velocidade em outras áreas”, diz Anderson. “Embora estudam, ainda, a própria eficiência dos aerofólios, por exemplo, ao ver como o ar flui sobre e sob ele.
O flow-viz consiste em usar um óleo, tipo do gerado quando se derrete a parafina, e sobre essa base líquida acrescenta-se a tinta fluorescente. A seguir é pulverizado nos aerofólios, parte do assoalho, defletores, na carenagem também. Com o deslocamento do carro no circuito, os fluxos de ar não apenas esfriam a parafina como a moldam, de acordo como fluem. A tinta realça a visão das formas da massa sólida da parafina, que na realidade revelam como o ar está escoando naquela superfície.
A Lotus de Pastor Maldonado também exibiu estruturas peculiares nos testes da Catalunha (Foto: Getty Images)
“O que os engenheiros buscam é estudar um compromisso entre todos esses fluxos. É preciso que os aerofólios dianteiro e traseiro recebam ar disciplinado e em elevada densidade, assim como a parte posterior, embaixo do carro, logo depois do fim do assoalho, a velocidade do ar seja a maior possível e a pressão, a menor possível”, explica Anderson.
“Os projetistas desenham peças para obter esses resultados, ao mesmo tempo em que o carro tem de apresentar a menor dificuldade, resistência, para se mover, ou seja, tenha o menor arrasto possível.”
Não é incomum, também, as equipes liberarem seus carros para a pista tendo montado neles as estruturas metálicas ou pintados com flow-viz durante o campeonato. “É provável que no GP da Espanha (o primeiro da fase europeia, dia 10 de maio, quinto do calendário), quando quase todos os times se apresentam com importantes novidades técnicas, alguns carros percorram o circuito equipados com os aero rake”, lembra Gianpaolo Dall'Ara, engenheiro-chefe de pista da Sauber.
No passado, os diretores técnicos das escuderias não ficavam nem um pouco triste quando o carro de um adversário, à frente do seu, tinha um problema mecânico sério e espalha óleo no ar. Quem conta a história, rindo, é o italiano Giorgio Piola, um jornalista-desenhista capaz de reproduzir com fidelidade impressionante todos os complexos sistemas dos carros, na F-1 desde o anos 60.
“Ao espalhar óleo para todo o lado e marcar o carro que estava atrás, o ar percorria suas superfícies e deixava claro para os engenheiros da época como seus projetos funcionavam aerodinamicamente, tudo muito primitivo. Mas não deixava de ser uma indicação. Comparado com a fidelidade dos dados de hoje representa nada, mas mesmo assim os técnicos ficavam felizes.”
Daniel Ricciardo usa gaiola na RBR durante teste em Barcelona (Foto: Getty Images)
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