Na alegria (e sem tristeza): casamento Ricardo & Botafogo completa um ano
Treinador faz aniversário à frente do clube nesta sexta depois de 366 dias de fortes emoções: volta após AVC, melhora de saúde, título, quase adeus... E muitos elogios
Um misto de alegria, expectativa, curiosidade e preocupação tomou o futebol brasileiro há exatamente um ano: no dia 22 de julho de 2015, o Botafogo anunciava a contratação de Ricardo Gomes para ser o seu novo técnico. Era o reinício de uma trajetória interrompida em 28 de agosto de 2011, quando ele sofreu um Acidente Vascular Cerebral à beira do gramado durante um clássico entre Vasco e Flamengo no Maracanã. Após quatro anos afastado da profissão, o treinador voltou para substituir René Simões à frente do Alvinegro. Apesar de certa dificuldade na fala e de movimentos, a desconfiança sobre o comandante logo passou com o bom trabalho, que rendeu frutos como o título da Série B do Campeonato Brasileiro, o retorno à Primeira Divisão e o vice-campeonato carioca com um elenco reconhecidamente limitado.
Nestes 366 dias (ano bissexto), Ricardo tornou-se referência em General Severiano e é, ao lado de Jefferson, protagonista do atual Botafogo. Unanimidade entre dirigentes, querido por jogadores e reconhecido por torcedores, o treinador teve seu contrato renovado até o fim de 2017, após forte assédio do Cruzeiro. De mútua confiança, a relação com o Alvinegro virou um casamento. Na saúde e na doença, na alegria... E sem tristeza por enquanto.
O INÍCIO
Um Ricardo Gomes bem-humorado, ansioso e, acima de tudo, feliz entrou na sala de imprensa do Nilton Santos para ser apresentado como técnico do Botafogo. Nitidamente emocionado com o retorno ao dia a dia do futebol, ele deixou clara a luta diária que teve, durante quase quatro anos, para voltar a ser treinador de futebol.
- O maior desafio foi o AVC. Não foi fácil. Foi uma recuperação difícil. A minha memória de atleta me ajudou bastante. Essa disciplina e capacidade de treinar de 10 a 12 horas por dia. Primeiro em casa e depois em clínicas. Imagina a minha cabeça quando surgiu a proposta do Botafogo... Estou muito feliz, retornando ao que eu gosto de fazer. Ser treinador. Vocês vão ver que recuperei minha parte motora. Tenho algumas sequelas, mas estou bem de saúde e totalmente liberado. Minha preocupação é fazer o Botafogo a voltar ao lugar de onde não deveria ter saído. Estresse vai acontecer. Mas não precisa ser só elogios de vocês (jornalistas) só porque eu tive um AVC. Estou liberado para críticas, sem contraindicações - brincou.
- O maior desafio foi o AVC. Não foi fácil. Foi uma recuperação difícil. A minha memória de atleta me ajudou bastante. Essa disciplina e capacidade de treinar de 10 a 12 horas por dia. Primeiro em casa e depois em clínicas. Imagina a minha cabeça quando surgiu a proposta do Botafogo... Estou muito feliz, retornando ao que eu gosto de fazer. Ser treinador. Vocês vão ver que recuperei minha parte motora. Tenho algumas sequelas, mas estou bem de saúde e totalmente liberado. Minha preocupação é fazer o Botafogo a voltar ao lugar de onde não deveria ter saído. Estresse vai acontecer. Mas não precisa ser só elogios de vocês (jornalistas) só porque eu tive um AVC. Estou liberado para críticas, sem contraindicações - brincou.
A ESTREIA
Anunciado, Ricardo Gomes não assumiu de imediato. As duas partidas seguintes, contra Bahia e Criciúma, ainda foram sob o comando do interino Jair Ventura, auxiliar-técnico. A estreia ocorreu em 1º de agosto, diante do Luverdense, no Nilton Santos. 1.434 dias após sofrer um AVC no clássico entre Vasco e Flamengo, o comandante voltava à beira do campo como treinador de futebol. Homenageado, emocionou-se. O Botafogo, porém, ficou devendo e não passou de um empate sem gols em um jogo sofrível tecnicamente.
O TÍTULO
Ricardo Gomes é atualmente a maior referência do Botafogo ao lado de Jefferson (Foto: Vitor Silva / SSPress/Botafogo)
Após um início complicado, com tropeços, Ricardo Gomes encontrou a melhor formação, e o Botafogo nadou de braçada na Série B. Em 10 de novembro, o time venceu o Luverdense por 1 a 0, com gol de Ronaldo, em Lucas de Rio Verde, e garantiu o acesso com três rodadas de antecedência. Dez dias depois, o Alvinegro derrotou o ABC, em Brasília, por 2 a 1 e conquistou a Segundona, com gols de Roger Carvalho e Willian Arão. Título que coroou o bom trabalho e assegurou a sequência de Ricardo em General Severiano.
A FASE RUIM
É fato que Ricardo Gomes conseguiu dar uma identidade ao Botafogo. Isso não quer dizer, no entanto, que o time não atravessou períodos de instabilidade sob seu comando. Dois foram os momentos em que o sinal de alerta acendeu. O primeiro, logo que assumiu, quando uma sequência de resultados ruins e, principalmente, derrota para o Santa Cruz tiraram o Botafogo da liderança e deixaram o Alvinegro fora do G-4 da Série B pela primeira vez. Neste ano, no início do Brasileiro, algumas rodadas na zona de rebaixamento e por vezes até na lanterna também evidenciaram a situação delicada. Houve protestos, mas o treinador, em momento algum, foi alvo dos torcedores ou correu risco no cargo.
O QUASE ADEUS
A perda do título carioca, em maio, para o Vasco, veio seguida de um forte baque. Ainda no Maracanã, em coletiva de imprensa, Ricardo Gomes comunicou que tinha proposta do Cruzeiro. A notícia atordoou dirigentes e torcedores do Botafogo. O adeus, de fato, esteve próximo. Em reunião, no dia seguinte, o clube conseguiu contornar a situação, ofereceu aumento salarial e estendeu o vínculo do treinador até o fim de 2017.
- É com enorme prazer que anuncio que o Ricardo Gomes fica conosco. Não vai nos deixar. Isso mostra uma confiança mútua, do trabalho do Ricardo e da comissão, e do Ricardo em relação ao Botafogo - comemorou o presidente do Botafogo, Carlos Eduardo Pereira.
A SAÚDE
Ricardo em visita à equipe médica no Hospital Pasteur (Foto: Andressa Maria Santos Vieira/Divulgação Hospital Pasteur)
Quem acompanha o dia a dia de Ricardo Gomes notou uma significativa evolução na fala do treinador nos últimos 12 meses. Hoje, o comandante se expressa normalmente. Para o médico pessoal do técnico, Fábio Miranda, a autoconfiança, a rotina de entrevistas e o convívio com os atletas foram fundamentais para a melhora do treinador.
- A volta ao trabalho foi a importante para a melhora do Ricardo. A pessoa tem que ter sua atividade profissional para recupera o prazer de viver, a autonomia, a autoconfiança. Hoje, ele fala quase normalmente, recuperou força muscular nos braços, nas pernas. A tendência, se ele não estacionar, é melhorar mais um pouquinho com o passar do tempo. Nunca houve restrição para ele trabalhar. Ele se tratando direitinho, tomando corretamente a medicação, consultas, fisioterapia controle clinico, não vejo problema algum. Fico muito feliz pelo Ricardo, que é um cara diferenciado, simpático, e acima de tudo determinado. Ele focou no que queria que era voltar trabalhar. Ele é um exemplo para pessoas que sofrem lesão neurológica. Comento com outros pacientes sobre a determinação dele, que foi fundamental para ele voltar a trabalhar.
O DESEMPENHO
Os técnicos de melhor aproveitamento à frente do Botafogo no século XXI: Ricardo é o 5º atualmente (Foto: Arte Esporte)
O feito de completar um ano no comando do Botafogo credencia Ricardo Gomes como um dos técnicos com mais tempo de trabalho atualmente em um clube brasileiro. Na Série A, por exemplo, o comandante só fica atrás, por poucos dias, de Roger Machado (Grêmio), Vagner Mancini (Vitória) e Dorival Júnior (Santos). Na ciranda da profissão, 365 dias como treinador do mesmo time é sinônimo de sucesso e estabilidade.
Em um ano, Ricardo esteve à frente do Botafogo em 62 jogos. Foram 32 vitória, 15 empates e 15 derrotas, com aproveitamento de 59,6% dos pontos disputados. Em 2015, na Série B, os números foram um pouco melhores, com 13 vitórias, quatro empates e seis derrota (62% de rendimento). Na atual temporada, na elite, foram 18 vitórias, 11 empates e oito derrotas (58%). O comandante é um dos técnicos de maior desempenho no Alvinegro no século XXI.
OPINIÕES
Luís Otávio, auxiliar de Ricardo desde 2001: "Desde o ano passado a gente vinha conversando, falava para ele que seria bom voltar, se mexer, botar a cabeça no campo iria fazer muito bem para ele. Ter contato, andar, criar essas situações. Ele aceitou, foi legal. Acho que está muito bem, muito bem mesmo. Já é passado o que aconteceu com ele. Acho que está se superando a cada dia, a cabeça está a mil, funcionando 100%. É um cara engraçado, você pensa que ele vai falar sério e ele faz brincadeiras, tem uma tiradas muito boas"
Cristóvão Borges, técnico do Corinthians e ex-auxiliar de Ricardo na época do AVC: "Convivendo com ele sei que, depois de se recuperar desse trauma todo, necessitava de respostas para ele, para a vida, cabeça. E as respostas viriam assim, de uma forma que pudesse mostrar ser capaz de trabalhar. Por isso significa muito vê-lo trabalhando normalmente, isso que é muito marcante, muito bacana. Eu fiquei especialmente contente pela volta dele, por tudo que ele é como profissional, por ser meu amigo também. E o futebol brasileiro ganha muito com ele, é um cara muito capaz, inteligente e que tem muito a dar ao futebol. A volta dele significa muito para todos nós que somos treinadores"
Camilo, camisa 10 do Botafogo: "O Ricardo é manso, procura auxiliar bastante, mas quando precisa dar uns gritos, ele dá. É um cara que dá muita liberdade para jogar, passa confiança, acredita muito em cada jogador. Pelo tempo que estou aqui, ele procura ajudar bastante"
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