Seleção da Guiné Equatorial importa brasileiros que nunca tinham pisado no país
- AFP PHOTO / ALEXANDER JOEO brasileiro Danilo Clementino defende pênalti cobrado por Drogba pela seleção de Guiné Equatorial
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Apenas 23 jogadores terão a oportunidade de defender o país sede na primeira Copa do Mundo no Brasil em 64 anos. Enquanto a luta é grande para usar a camisa amarela em território nacional, no exterior essa opção pode ser mais fácil. É o caso de nove brasileiros que atuam pela seleção de Guiné Equatorial, que disputa as eliminatórias africanas. Sim, nove. Foi o número de convocados para o último duelo da equipe, contra Cabo Verde, no final de março (vitória por 4 a 3). E são eles que lideram uma polêmica sobre jogadores naturalizados, e que pode acabar tirando-os do Mundial.
Segundo as regras de naturalização da Fifa, um jogador precisa atuar e morar por, no mínimo, cinco anos em um país para poder se naturalizar. Ou então ter laços familiares com o país que deseja defender, por mais antigos que sejam. Nesta semana, a Fifa anunciou que investiga a seleção de Guiné Equatorial por ter escalado um jogador irregular na partida contra Cabo Verde e que pode tirar pontos do país nas eliminatórias.
Sem revelar o nome do jogador investigado, a suspeita é de que um dos estrangeiros tenha se naturalizado de forma irregular. E os brasileiros não são os únicos importados: se são nove os atletas verde-amarelos, todos os outros também são de fora da Guiné. A maioria vem da Espanha, que colonizou o país africano (e que o fez ser o único no continente cujo idioma é o espanhol).
Alheios a suspeita, os brasileiros continuam lutando pelo sonho de jogar uma Copa do Mundo. O mais famoso é Danilo Clementino - pelo menos na África. Atualmente no Alecrim, do Rio Grande do Norte, ele é goleiro titular da seleção desde 2006 e se consagrou ao defender um pênalti cobrado por Didier Drogba durante a Copa das Nações Africanas de 2012. "Sempre que chego lá esse assunto é lembrado. É o momento mais especial da minha carreira", conta.
Ele assume: está lá pelo dinheiro que recebe. Nunca havia pisado no país antes de ser convocado, e nunca o visitou sem ser para jogar ("Sempre fui a trabalho"). "O treinador, em 2006, era brasileiro (Jordan de Freitas). Ele entrou em contato comigo, fiz todos os trâmites. Mas é só pelo trabalho. Todas as seleções pagam. Meu valor é fixo, mas muitos recebem por jogo", revela, em contato com o UOL Esporte. Só opta por não divulgar o valor.
- Judson (último à direita na imagem), meia da seleção da Guiné Equatorial, durante treino do São Bernardo-SP
Outro que tem se destacado em Guiné é o meia Judson, jogador do São Bernardo-SP. Atuando pelo país desde 2012, marcou um gol em sua estreia, contra a República Democrática do Congo - fez gol no famoso goleiro Kidiaba. Titular na partida contra Cabo Verde, também só esteve no país para atuar pela seleção, e revela nunca ter ouvido falar de Guiné antes de ser convidado para a seleção: "Me aceitaram bem naquele país lá", disse ao UOL Esporte, ao ser questionado sobre a recepção que teve na África.
Ele, diferentemente de Danilo, afirmou não receber valor fixo, mas sim por vez que viaja. "Mas eu sou novo lá. Mais para a frente pode ocorrer. como comecei há pouco tempo, não sei como será", declarou.
O caso é o mesmo do atacante Ricardinho, também do São Bernardo. Revelação do futebol de várzea de São Paulo, ele saiu do Só Alegria, time amador da São Miguel Paulista, passou pelo interior de São Paulo e, no ano passado, jogou no CRB. Em Alagoas, recebeu o convite. "Foi pelo técnico brasileiro também. Recebo por partida, não é um valor alto, mas ajuda nas finanças. E é um orgulho poder defender uma seleção, mesmo sendo de um país que eu nunca tinha visitado", falou.
Mas como uma seleção pequena, de um país desconhecido pelo grande público, descobre a existência de brasileiros de times pequenos? Será que eles analisam o parentesco de cada um e conseguem descobrir laços familiares com a Guiné? Os próprios jogadores não sabem.
Mas tem noção que os dirigentes africanos conseguem acompanhá-los em campo. Não veem pela televisão, já que jogos de Alecrim, São Bernardo, Barretos-SP ou Avenida-RS, por exemplo, dificilmente são transmitidos para o Brasil - imagine para a África. Eles seguem seus atletas pela internet. "O primeiro jogo que o presidente da federação assistiu foi a um amistoso que joguei pela Guiné mesmo", conta Judson. "Nunca me assistiram, mas acompanham meu histórico, veem notícias na internet", explica Danilo.
CONHEÇA OS NOVE BRASILEIROS DA SELEÇÃO DE GUINÉ EQUATORIAL
- Danilo Clementino - goleiro do Alecrim-RN (na foto, em treino do clube potiguar)
Judson dos Santos - meia do São Bernardo-SP
Ricardinho - atacante do São Bernardo-SP
William - lateral do Grêmio Osasco-SP
Florian Claudino - zagueiro do São Bento-SP
Claudiney Ramos, o Rincón - zagueiro do Avenida-RS
Jonatas Obina – atacante da Ferroviária-SP
Ygor da Silva, o Nena – atacante da Caldense-MG
Neto – zagueiro do Barretos-SP
Como, então, é a recepção da torcida se nem quem os convoca tem como assistir à suas atuações? Segundo os brasileiros, a reação dos torcedores melhorou com o tempo. Hoje, são respeitados. "Eles gostam. Muita gente do time é filho de locais (os espanhóis são filhos de guineenses), muita gente de Guiné vive na Espanha, então é normal", afirma Danilo.
Guiné Equatorial, no momento, está em 3° no Grupo B da segunda fase - apenas o líder passa para o mata-mata decisivo. Com quatro pontos, eles têm três partidas para ultrapassar Serra Leoa (4) e Tunísia (9 pontos). Os brasileiros confiam na chance. "Eu acredito, nós brasileiros estamos focados. É importante para a carreira", opina Judson.
Caso a reviravolta aconteça e Guiné se classifique para a Copa do Mundo no Brasil, será o maior representante dessa mudança no panorama do futebol mundial. O número de jogadores naturalizados nas seleções tem aumentado e a Fifa tenta coibir a ação - há dois anos, negou pedido da federação dos Emirados Árabes, que gostaria que jogadores pudessem ter nova nacionalidade após três anos morando no novo país. Se a Guiné Equatorial jogar no Brasil, terá jogadores que só pisam em seu território para atuar. Pessoas que desconhecem se há parentesco ou qualquer tipo de ligação familiar com o minúsculo país africano. Que recebem para atuar, mas seguem atrás de seu sonho - teoricamente, dentro das regras do futebol. E que podem alcançar o sonho da maioria das crianças brasileiras, que crescem desejando virar jogadores e chegar à seleção. Mesmo que seja a seleção "daquele país lá".
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