Brasileiro vai a 17º Dakar seguido confiante em vantagem sobre jovens


O brasileiro Jean Azevedo pode se gabar de ser parte viva da história do Rali Dakar, maior evento off-road do mundo. Neste domingo, ele iniciará em Buenos Aires sua 17ª participação consecutiva na prova com a tranquilidade de quem já viu o evento mudar até de continente.
Realizada desde 1979, a prova era conhecida como Paris-Dakar, pois era disputada, geralmente, entre as capitais francesa e senegalesa. Em 2009, passou a ocorrer na América do Sul por segurança. O rali do ano anterior foi cancelado na véspera de seu início pela morte de quatro turistas franceses na Mauritânia, um dos países do percurso, em um ataque terrorista dias antes.
Este ano, o Dakar começará em Buenos Aires, no dia 4 de janeiro, e terá 9.295km para as motos, categoria que Jean Azevedo disputa. Os atletas passam por Chile e Bolívia antes de retornarem à capital argentina, onde também ocorre a chegada do evento, 14 dias após seu início.
Jean correrá pela recém-criada equipe sul-americana da Honda, satélite do time oficial da montadora japonesa e que contará com apoio técnico e logístico da matriz. Com 40 anos de idade, o paulista encara a prova com calma, graças à experiência de quem correu o Dakar pela primeira vez em 1996.
Seu melhor resultado foi a quinta colocação geral das motos em 2003, ano em que seu irmão mais velho André Azevedo foi vice-campeão nos caminhões. Mas Jean garante ser um piloto mais eficiente e cerebral atualmente. Para manter a forma física e competir com atletas 20 anos mais jovens, se submete a seis dias de treinamento por semana.
Divulgação
O paulista Jean Azevedo disputa o Dakar, maior rali do mundo, pela 17ª vez consecutiva

Gazeta Esportiva.net: Você vai para seu 17º Dakar consecutivo. A competição já até mudou de continente nesse período. Nunca pensou em largar?
Jean Azevedo:
O Dakar é a minha carreira, minha profissão, minha vida porque estou lá desde os 20 anos de idade. Cada vez é um desafio diferente. A prova muda todo ano. Se você for lá para fazer a mesma coisa, talvez vá desmotivando. Se eu não tivesse essa vontade, nem voltaria mais. É a motivação de sempre: buscar meus limites, terminar a prova. O resultado final é a consequência de um bom trabalho.
Gazeta Esportiva: Quais as principais diferenças de entrar no rali em 2014 e em 1997?
Jean:
Os equipamentos evoluíram demais e a estrutura da organização e de resgate também. Estamos sempre no deserto, em lugares longe de tudo. Antigamente, tinha uma baliza que você ligava em caso de algum problema e ela emitia um sinal em um satélite para alguém te buscar. Mas você não sabia se o negócio estava funcionando. Hoje temos um aparelho online, conectado com uma central na França. Se a sua moto fica muito tempo parada, alguém te chama e pergunta se está tudo bem. A tecnologia deu um suporte muito maior e assim os riscos diminuíram bastante.
Gazeta Esportiva: Então você acha que hoje é mais fácil fazer um Dakar do que quando você começou?
Jean:
É mais fácil, você tem muito mais acesso a tudo: equipamento, informação, organização. Há mais equipes disponíveis, muito mais estruturas. Com certeza, para o piloto que vai começar hoje é muito mais fácil do que começar 20 anos atrás.
Gazeta Esportiva: Em todos estes anos, qual a pior situação que você já passou durante a prova?
Jean:
Em 1998, quebrou o motor da minha moto ao meio-dia e fiquei esperando o “caminhão-vassoura”, que passa pegando todos que ficaram pelo caminho, até seis da manhã. Este tempo todo parado, sem nada. Enquanto está rolando a prova, você vai vendo movimento. Mas chega uma hora em que não passa mais ninguém e você está sozinho no escuro do deserto, sem luz, nem nada, passando frio, fome. Fica aquela tensão.
Gazeta Esportiva: Corria o risco de o caminhão não passar ali onde você estava?
Jean:
No deserto, ele pode passar onde você está ou cinco quilômetros para o outro lado. Eu tinha a baliza para ligar. Mas você não tem nada para fazer, está sozinho. Comecei a pensar coisa errada, né? Você fica imaginado se ele vai te ver ou não.
Gazeta Esportiva: O Rali Dakar ficou conhecido como o rali da morte. Apesar de melhorias na segurança, acidentes fatais ainda acontecem. Qual impacto a morte de um competidor tem nos outros pilotos, que no dia seguinte continuam a competir?
Jean:
Isso faz parte do jogo, todo o mundo sabe disso. Lógico que se acontecer vai ser triste, mas é preciso estar pronto para isso. É uma coisa que entra na preparação psicológica porque a gente está lá para fazer a competição. Vai sentir? Vai sentir, mas isso não pode atrapalhar o desempenho.
Gazeta Esportiva: Você já esteve perto de sofrer algum acidente grave?
Jean:
Já, já. Isso acontece. É normal, é uma prova que você não conhece o caminho e vai em velocidade alta. Então você passa alguns sustos.
Gazeta Esportiva: Essas são situações extremas. Mas você enfrenta algumas dificuldades diárias particulares do Dakar.
Jean:
Você toma banho frio todo dia. Aqui na América do Sul, melhorou muito. Hoje estamos em um hotel cinco estrelas perto do que tínhamos na África. Mas você dorme, come e toma banho mais ou menos. São 14 dias seguidos de perrengue. Você tem que estar preparado para tudo isso, além do percurso diário com 500km, 600km, 800km em condições exigentes fisicamente, tecnicamente e mentalmente.
Gazeta Esportiva: O que é comer e dormir mais ou menos?
Jean:
Até 2012, fiquei em barraca no Dakar. De 2013 em diante, comecei a ter uma estrutura de motorhome. Já mudou a vida, né? E a comida é fornecida pela organização, que monta um grande acampamento para todo o mundo comer igual.
Divulgação
Brasileiro integra a recém-criada equipe sul-americana da Honda, satélite do time de fábrica
Gazeta Esportiva: A experiência te ajuda para encarar essas dificuldades? Por já ter passado por muitas situações, você já as vê com certa normalidade?
Jean:
A cabeça é fundamental. O rali é uma das poucas modalidades em que o piloto mais velho leva vantagem. No circuito, o mais jovem vai dar tudo de si em um período curto e em um lugar em que ele já treinou. É explosão pura, risco. Tudo o que o jovem tem. No rali, não. Se ele arriscar tudo e andar no limite, é grande a chance de acontecer algo errado. A experiência acumulada é um fator que agrega muito para os pilotos.
Gazeta Esportiva: Então você se considera um competidor melhor do que há 17 anos, quando começou a disputar o Dakar?
Jean:
Sim, muito mais experiente. Talvez, 17 anos atrás, eu acelerava mais, mas o resultado final era pior porque acontecia muita coisa errada. Hoje, sei administrar mais e, no final, vou estar melhor.
Gazeta Esportiva: Você é o único brasileiro a competir entre as motos na edição de 2014 do Dakar. Há outros atletas no País com condições de disputar o rali?
Jean:
O Brasil tem bons pilotos, mas pouco investimento. Precisávamos de um pouco mais de incentivo para termos uma nova safra. O custo para o Dakar ainda é muito alto, mesmo na América do Sul, porque a maioria dos gastos é em euro. Além da grana, a divulgação no Brasil é pequena, não tem patrocínio. É uma série de fatores que dificulta a entrada de mais brasileiros na prova.
Gazeta Esportiva: Você participou do Dakar de carro e de moto. Quais as principais diferenças entre as duas categorias?
Jean:
O carro é muito mais fácil, não tem comparação. A exigência na moto é muito maior em todos os sentidos. E também penso: “puta, terminei o Dakar de moto”. De carro é mais tranquilo porque não te leva aos mesmos limites da moto, não tem as mesmas dificuldades. É um feito muito maior completar o Dakar ou ter uma boa posição em cima de uma moto. Sem tirar o mérito do carro, que tem as particularidades difíceis dele, mas moto ainda é a categoria que mais exige.
Gazeta Esportiva: Quanto custa para correr no Dakar?
Jean:
Depende do esquema. Se você vai pela primeira vez para aprender, só para participar, sem condição nenhuma de resultado, vai gastar entre € 100 mil e € 120 mil. Mas se vai com um time de ponta, para ganhar o Dakar, o cara vai gastar € 1 milhão. São vários níveis de investimento.
Gazeta Esportiva: A principal prova do Brasil é o Rali dos Sertões, que faz parte do Campeonato Mundial da modalidade. Ela não é suficiente para aparecerem novos pilotos?
Jean:
É um primeiro passo, mas o Sertões não é disputado no deserto como o Dakar. A prova é muito boa, mas com característica um pouco diferente. Eu mesmo sofro. Não faço o Campeonato Mundial. A única prova forte do ano que disputo é o Sertões. Apesar de ser minha 17ª participação, sinto quando venho correr no deserto do Dakar porque só faço isso uma vez por ano. Meus adversários fazem sete. Se eu que tenho experiência já sinto dificuldade, imagina quem é iniciante.

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